Padres dominicanos holandeses põem católicos a discutir em Lisboa quem pode celebrar a missa e o fim do celibato. Aqueles que presidem a celebrações da missa em cada local "devem ser membros inspirados da comunidade em questão". E para o caso "é irrelevante serem homens ou mulheres, homo ou heterossexuais, casados ou não. O que é essencial é se a sua atitude de fé é ou não inspiradora e estimulante."Esta é uma das proposições de um documento dos padres dominicanos holandeses que esta tarde será debatido, a partir das 14h30, no Convento de São Domingos de Lisboa (Dominicanos, na zona do Estádio da Luz). O debate é promovido pelo movimento internacional Nós Somos Igreja (NSI)-Portugal.
"O documento é profético e o facto de provocar tantas ondas é porque toca num ponto sensível da comunidade dos crentes", diz ao PÚBLICO Ana Vicente, do NSI. "Ele pretende que haja mais participação dos crentes na comunhão da Igreja, menos hierarquia e menos exclusão."O texto foi redigido por três membros da Ordem dos Pregadores, na sequência de uma recomendação do capítulo (assembleia) dos dominicanos da Holanda. Depois disso, foi assumido pelo provincial (responsável máximo) da ordem no país. O Vaticano pediu a intervenção do mestre geral da ordem, o argentino Carlos Azpiroz Costa, que já defendeu que o fim do celibato obrigatório depende apenas da mudança da regra disciplinar e que as mulheres devem poder ter um papel mais visível do que hoje. Carlos Azpiroz encarregou outro teólogo dominicano, o francês Hervé Legrand, de comentar o documento dos colegas holandeses. Legrand arrasou a sustentação doutrinal e teológica do texto, mas deixou de lado a questão do celibato obrigatório, dando a entender ser favorável ao fim dessa regra.Questão de poderA polémica instalou-se no catolicismo holandês e na ordem dominicana. Além de propor a celebração da missa por pessoas escolhidas pela comunidade, o texto sugere uma espécie de revolta das "bases" católicas: é preciso que os fiéis tenham a "liberdade necessária, teologicamente justificada, para escolher o seu líder ou equipa de líderes a partir do seu seio", escrevem. Intitulado A Igreja e o Ministério, o documento acaba, no entanto, por se centrar na questão de quem pode ou não celebrar a eucaristia. Questão que o próprio Legrand não deixa passar ao lado. "Hoje, os debates concentram-se na questão do poder", acusa. Os dominicanos holandeses citam várias "ambiguidades" da situação actual: quando não há padres, as comunidades fazem uma "celebração da Palavra e da Comunhão", idêntica à missa, mas sem a consagração das hóstias. Estas celebrações podem ser presididas mesmo por mulheres e muitos fiéis não vêem a diferença em relação à missa verdadeira, dizem. E recordam o que se passou ao longo da história: nem sempre dominou o modelo de uma hierarquia que manda. Hervé Legrand critica as "fraquezas" do texto em afirmações concretas, a "falta real de espírito crítico", limitando-se a opor hierarquia e bases como dois blocos unívocos e opostos. Dá razão aos colegas, admitindo que não se retiraram ainda todas as consequências da doutrina do Concílio Vaticano II para a atitude da Igreja neste campo, mas diz que algumas afirmações do documento são de natureza "cismática" em relação à doutrina católica de séculos. Ambos os documentos estão disponíveis, na íntegra, no sítio do NSI-Portugal na internet (www.we-are-church.org/pt/). A polémica sobre o celibato opcional e a possibilidade de a Igreja Católica alargar o leque de ministérios tem sido debatida em diferentes lugares. Na semana passada, uma assembleia anual do clero brasileiro sugeriu a criação de alternativas à disciplina do celibato obrigatório e à situação dos casais separados, e ainda a eleição de bispos por processos mais democráticos. Um total de 430 delegados dos 18.685 padres das 269 dioceses católicas do Brasil participou no XII Encontro Nacional de Presbíteros. E nas conclusões, citadas em www.periodistadigital.com/religion/, defendiam que o celibato deveria continuar a ser uma opção nas ordens religiosas, mas que o "ministério ordenado" de padre deveria consagrar outras formas além do celibato obrigatório.Na Alemanha, foi o novo presidente da Conferência Episcopal (católica) Alemã a afirmar que o celibato dos padres não é teologicamente necessário. Acabado de ser eleito para o cargo, Robert Zollitsch, arcebispo de Friburgo, disse ao Der Spiegel: "Claro que a relação entre o sacerdócio e o celibato não é teologicamente necessária." O serviço de imprensa do Conselho Mundial de Igrejas cita o porta-voz do arcebispo que afirmou depois ter havido truncagem das palavras de Zollitsch. "Quem tenha lido toda a entrevista com o arcebispo, perceberá que ele não estava a fazer do celibato um problema ou procurando aboli-lo", disse Michael Maas. No Brasil, os padres que participaram na assembleia pediram também que o Vaticano desse "orientações mais seguras e definidas sobre o acompanhamento pastoral para os casais" de católicos divorciados que se voltaram a casar. A Igreja continua a recusar a possibilidade de um segundo casamento, bem como a hipótese de essas pessoas comungarem na missa. A.M.
Fonte Público